Coluna publicada originalmente na Trivela.
O que têm em comum Samoa Americana, Anguilla, Ilhas Cook e Guam, todos pequenos arquipélagos do Caribe e da Oceania, com San Marino, república minúscula incrustada no nordeste da Itália? Eles dividem a mesma posição no ranking da Fifa: a última. Zerados em pontos, essas seleções representam algo como o submundo do futebol. E se todas possuem um nível parecido, o rótulo de pior futebol do planeta pode cair sobre quem está a mais tempo nesta posição: San Marino é quem tem mais experiência em estar entre os mais fracos.
Fundada em 1931, a federação nacional é uma das mais antigas da Europa. Entretanto, além de algumas edições esporádicas da Coppa Titano, existiu apenas no papel até 1985, quando finalmente começou a organizar o campeonato nacional e formar de fato uma seleção, que só estreou oficialmente em 1990, perdendo para a Suíça por 4 a 0 nas Eliminatórias para a Euro-92. Apesar da história ainda curta para os padrões do futebol, se comparado com os países que estão no mesmo nível San Marino evoluiu quase nada até aqui.
Pé-de-obra escasso
Investimentos têm sido feitos para se tentar mudar essa realidade. Só a Fifa, através de seu projeto “Goal”, aplicou US$ 1,5 milhão na construção de uma nova sede para a federação nacional e de um campo oficial de grama sintética para treinamento das categorias de base. Além disso, um acordo permitiu que equipes juvenis e juniores do país disputem campeonatos na Itália e outros vizinhos na tentativa de melhorar o nível da geração futura, já que não há competições nacionais de base.
Contudo, o que falta mesmo a San Marino é material humano. Estimativas para 2008 apontam a população local com aproximadamente 30 mil pessoas, o equivalente a uma pequena cidade brasileira. Já os 61 km² da área total da república são menores que a maioria dos municípios brasileiros. Seria como se a seleção brasileira tivesse de ser formada apenas com os jogadores nascidos na cidade baiana de Nazaré das Farinhas, terra natal de Vampeta. Se conseguir atletas com tão escassas opções já é difícil, imagine então encontrar ao menos alguns com qualidade.
E tem sido assim, pequeno e com poucos habitantes, há muito tempo. San Marino é a república mais antiga do mundo, instituída no ano de 301, após conquistar a independência do Império Romano. Marino, escultor procedente da ilha de Rab, atual Croácia, se instalou na região enquanto fugia da perseguição religiosa imposta pelo imperador Diocleciano. A Constituição que determinou o regime de república parlamentarista foi promulgada em 1600, e é a que está a mais tempo em vigência no planeta.
Santo de casa não faz milagre
Mas não apenas em sua história política San Marino detém recordes de longevidade. A seleção azul celeste levou quatorze anos (ou 64 jogos) para alcançar a primeira vitória: o triunfo sobre Liechtenstein por 1 a 0, no dia 28 de abril de 2004 transformou-se quase em feriado nacional. Andy Selva, autor daquele gol, é o maior artilheiro de todos os tempos, com sete tentos marcados. Ele é, de fato, o único sammarinense a ter marcado mais de uma vez. Mas como a partida era apenas amistosa, os primeiros três pontos em competições oficiais ainda estão por vir.
Desde que se afiliou à Fifa e à Uefa, em 1988, San Marino participou de todas as Eliminatórias, tanto para Copas do Mundo quanto para Eurocopas. O retrospecto, no entanto, é desanimador: as derrotas são tão freqüentes que empates, mesmo dentro de casa, são comemorados. Desde sua estréia, nas preliminares para a Copa dos Estados Unidos, foram dois em 26 jogos. O saldo geral impressiona: 151 gols negativos.
Ao menos, é de San Marino o gol mais rápido da história das Eliminatórias para a Copa. Em 1993, contra a Inglaterra, Davide Gualtieri abriu o placar aos oito segundos – o que não foi suficiente, afinal os ingleses venceram por 7 a 1. A reputação da equipe é tão ruim que quando conquistou seu primeiro empate fora de casa, 1 a 1 com a Letônia em Riga, nas Eliminatórias para 2002, o técnico Gary Johnson foi demitido no vestiário pela federação leta.
Mas o panorama não parece ser de evolução. Nas Eliminatórias para 2006, a equipe voltou a perder todos os jogos e, no qualificatório para a Euro 2008, bateu outro recorde negativo: a derrota por 13 a 0 para a Alemanha foi a maior da história do torneio continental. Até no ranking da Fifa a colocação já foi melhor: em 1993, após um empate com a Turquia, apareceu na 118ª posição.
Campeonato amador
A falta de jogadores afeta a seleção e, por tabela, também o campeonato nacional. Organizado a partir de 1985, possuía duas divisões até 1996, quando foi reestruturado. Os quinze times são divididos em dois grupos, e os três melhores de cada chave participam do torneio play-off que decide o campeão. Tre Fiori e Domagnano são os maiores campeões, com quatro títulos cada, mas o SS Murata, da capital, é o atual tricampeão.
Os alvinegros foram primeiro time do país a disputar a Liga dos Campeões, na temporada passada, e ganharam as manchetes após contratarem o zagueiro brasileiro Aldair, que jogará mais um campeonato. Recentemente, a Societá convidou Romário e até Schumacher, mas não teve sucesso.
Percebe-se logo que o sammarinense é ainda um campeonato amador. Por questões de espaço, os times não possuem estádio próprio e as rodadas acontecem nos seis campos existentes no país. Os jogadores, em sua maioria, também são amadores – as exceções atuais são Andy Selva e o goleiro da seleção, Aldo Simoncini, que joga no San Marino Calcio, equipe fundada pela federação e que disputa a Série C2 italiana.
Em 2006, a federação elegeu Massimo Bonini como o maior jogador da história do país. Único atleta a jogar uma final de Copa Européia, defendeu a Juventus de 1981 a 88 e as seleções de base da Itália. Quando San Marino se afiliou à Uefa, passou a jogar por sua terra natal, mas já havia encerrado a carreira profissional. O zagueiro Mirco Gennari é quem mais vestiu a camisa azul celeste, com 48 partidas entre 1992 e 2003.
Nas Eliminatórias para 2010, San Marino terá pela frente República Tcheca, Polônia, Irlanda do Norte, Eslováquia e Eslovênia. Em seu nível, um grupo dificílimo até mesmo para alcançar o objetivo traçado pelo técnico Giampaolo Mazza, que na verdade trabalha como professor de educação física: conquistar a primeira vitória em competições oficiais. Para quem tem o pior futebol do mundo, isso será mais valioso do que qualquer conquista.
San Marino
Nome da federação: Federazione Sammarinese Giuoco Calcio
Ano de fundação: 1931
Copas do Mundo disputadas: 0
Eliminatórias disputadas: 4 (1994, 1998, 2002 e 2006)
Resultados em eliminatórias: 0V, 2E, 24D; 7 GP, 158 GC
Melhor resultado na Eurocopa: Nunca disputou
Principais clubes do país: Tre Fiori (Fiorentino), Domagnano (Domagnano), Faetano (Faetano), Folgore/Falciano (Serravalle), Murata (San Marino).
População: 29.973 (215º) – Dados de 2008
Posição no ranking da Fifa: 200º (agosto/2008)
O que têm em comum Samoa Americana, Anguilla, Ilhas Cook e Guam, todos pequenos arquipélagos do Caribe e da Oceania, com San Marino, república minúscula incrustada no nordeste da Itália? Eles dividem a mesma posição no ranking da Fifa: a última. Zerados em pontos, essas seleções representam algo como o submundo do futebol. E se todas possuem um nível parecido, o rótulo de pior futebol do planeta pode cair sobre quem está a mais tempo nesta posição: San Marino é quem tem mais experiência em estar entre os mais fracos.
Fundada em 1931, a federação nacional é uma das mais antigas da Europa. Entretanto, além de algumas edições esporádicas da Coppa Titano, existiu apenas no papel até 1985, quando finalmente começou a organizar o campeonato nacional e formar de fato uma seleção, que só estreou oficialmente em 1990, perdendo para a Suíça por 4 a 0 nas Eliminatórias para a Euro-92. Apesar da história ainda curta para os padrões do futebol, se comparado com os países que estão no mesmo nível San Marino evoluiu quase nada até aqui.
Pé-de-obra escasso
Investimentos têm sido feitos para se tentar mudar essa realidade. Só a Fifa, através de seu projeto “Goal”, aplicou US$ 1,5 milhão na construção de uma nova sede para a federação nacional e de um campo oficial de grama sintética para treinamento das categorias de base. Além disso, um acordo permitiu que equipes juvenis e juniores do país disputem campeonatos na Itália e outros vizinhos na tentativa de melhorar o nível da geração futura, já que não há competições nacionais de base.
Contudo, o que falta mesmo a San Marino é material humano. Estimativas para 2008 apontam a população local com aproximadamente 30 mil pessoas, o equivalente a uma pequena cidade brasileira. Já os 61 km² da área total da república são menores que a maioria dos municípios brasileiros. Seria como se a seleção brasileira tivesse de ser formada apenas com os jogadores nascidos na cidade baiana de Nazaré das Farinhas, terra natal de Vampeta. Se conseguir atletas com tão escassas opções já é difícil, imagine então encontrar ao menos alguns com qualidade.
E tem sido assim, pequeno e com poucos habitantes, há muito tempo. San Marino é a república mais antiga do mundo, instituída no ano de 301, após conquistar a independência do Império Romano. Marino, escultor procedente da ilha de Rab, atual Croácia, se instalou na região enquanto fugia da perseguição religiosa imposta pelo imperador Diocleciano. A Constituição que determinou o regime de república parlamentarista foi promulgada em 1600, e é a que está a mais tempo em vigência no planeta.
Santo de casa não faz milagre
Mas não apenas em sua história política San Marino detém recordes de longevidade. A seleção azul celeste levou quatorze anos (ou 64 jogos) para alcançar a primeira vitória: o triunfo sobre Liechtenstein por 1 a 0, no dia 28 de abril de 2004 transformou-se quase em feriado nacional. Andy Selva, autor daquele gol, é o maior artilheiro de todos os tempos, com sete tentos marcados. Ele é, de fato, o único sammarinense a ter marcado mais de uma vez. Mas como a partida era apenas amistosa, os primeiros três pontos em competições oficiais ainda estão por vir.
Desde que se afiliou à Fifa e à Uefa, em 1988, San Marino participou de todas as Eliminatórias, tanto para Copas do Mundo quanto para Eurocopas. O retrospecto, no entanto, é desanimador: as derrotas são tão freqüentes que empates, mesmo dentro de casa, são comemorados. Desde sua estréia, nas preliminares para a Copa dos Estados Unidos, foram dois em 26 jogos. O saldo geral impressiona: 151 gols negativos.
Ao menos, é de San Marino o gol mais rápido da história das Eliminatórias para a Copa. Em 1993, contra a Inglaterra, Davide Gualtieri abriu o placar aos oito segundos – o que não foi suficiente, afinal os ingleses venceram por 7 a 1. A reputação da equipe é tão ruim que quando conquistou seu primeiro empate fora de casa, 1 a 1 com a Letônia em Riga, nas Eliminatórias para 2002, o técnico Gary Johnson foi demitido no vestiário pela federação leta.
Mas o panorama não parece ser de evolução. Nas Eliminatórias para 2006, a equipe voltou a perder todos os jogos e, no qualificatório para a Euro 2008, bateu outro recorde negativo: a derrota por 13 a 0 para a Alemanha foi a maior da história do torneio continental. Até no ranking da Fifa a colocação já foi melhor: em 1993, após um empate com a Turquia, apareceu na 118ª posição.
Campeonato amador
A falta de jogadores afeta a seleção e, por tabela, também o campeonato nacional. Organizado a partir de 1985, possuía duas divisões até 1996, quando foi reestruturado. Os quinze times são divididos em dois grupos, e os três melhores de cada chave participam do torneio play-off que decide o campeão. Tre Fiori e Domagnano são os maiores campeões, com quatro títulos cada, mas o SS Murata, da capital, é o atual tricampeão.
Os alvinegros foram primeiro time do país a disputar a Liga dos Campeões, na temporada passada, e ganharam as manchetes após contratarem o zagueiro brasileiro Aldair, que jogará mais um campeonato. Recentemente, a Societá convidou Romário e até Schumacher, mas não teve sucesso.
Percebe-se logo que o sammarinense é ainda um campeonato amador. Por questões de espaço, os times não possuem estádio próprio e as rodadas acontecem nos seis campos existentes no país. Os jogadores, em sua maioria, também são amadores – as exceções atuais são Andy Selva e o goleiro da seleção, Aldo Simoncini, que joga no San Marino Calcio, equipe fundada pela federação e que disputa a Série C2 italiana.
Em 2006, a federação elegeu Massimo Bonini como o maior jogador da história do país. Único atleta a jogar uma final de Copa Européia, defendeu a Juventus de 1981 a 88 e as seleções de base da Itália. Quando San Marino se afiliou à Uefa, passou a jogar por sua terra natal, mas já havia encerrado a carreira profissional. O zagueiro Mirco Gennari é quem mais vestiu a camisa azul celeste, com 48 partidas entre 1992 e 2003.
Nas Eliminatórias para 2010, San Marino terá pela frente República Tcheca, Polônia, Irlanda do Norte, Eslováquia e Eslovênia. Em seu nível, um grupo dificílimo até mesmo para alcançar o objetivo traçado pelo técnico Giampaolo Mazza, que na verdade trabalha como professor de educação física: conquistar a primeira vitória em competições oficiais. Para quem tem o pior futebol do mundo, isso será mais valioso do que qualquer conquista.
San Marino
Nome da federação: Federazione Sammarinese Giuoco Calcio
Ano de fundação: 1931
Copas do Mundo disputadas: 0
Eliminatórias disputadas: 4 (1994, 1998, 2002 e 2006)
Resultados em eliminatórias: 0V, 2E, 24D; 7 GP, 158 GC
Melhor resultado na Eurocopa: Nunca disputou
Principais clubes do país: Tre Fiori (Fiorentino), Domagnano (Domagnano), Faetano (Faetano), Folgore/Falciano (Serravalle), Murata (San Marino).
População: 29.973 (215º) – Dados de 2008
Posição no ranking da Fifa: 200º (agosto/2008)
Nenhum comentário:
Postar um comentário